No momento
atual em que o argumento da moralidade esparrama pelo país, nada mais oportuno
que examinar o fenômeno da terceirização, sobretudo pela coincidência de que
nesse mesmo momento o setor econômico, ligado às grandes corporações (muitas
delas envolvidas com os escândalos da corrupção), pressiona o Congresso
Nacional (PL 4.330/04) e mesmo o Supremo Tribunal Federal (ARE 713211) para
conseguir ampliar, de forma irrestrita, as possibilidades jurídicas da
intermediação de mão-de-obra. A contradição é latente vez que a terceirização
nos entes públicos constitui uma das maiores facilitações para o desvio do
erário, ao mesmo tempo em que conduz os trabalhadores, ocupados nas atividades
atingidas, a uma enorme precarização em suas condições de trabalho e em seus
direitos.
Além disso, o projeto constitucional, inaugurado em 1988, em consonância,
enfim, com os ditames da Constituição da OIT, de 1919, elevou os direitos
trabalhistas a direitos fundamentais, ampliando o conceito de direito de greve
e no aspecto da moralidade administrativa estabelecendo o concurso como forma
obrigatória de acesso ao serviço público, prevendo exceções que em nada se
assemelham às contratações de empresas para prestação de serviços
“terceirizados”.
“Terceirizado, um trabalhador brasileiro”, produzido pelo Grupo de Pesquisa
Trabalho e Capital, da Faculdade de Direito da USP, sob coordenação do prof.
Souto Maior, é um documentário-denúncia, que mostra alguns dos efeitos nefastos
da terceirização para os trabalhadores, notadamente no setor público, e o grave
problema da perda de compromisso dos próprios entes públicos, no Executivo, no
Legislativo e no Judiciário, com o respeito à Constituição, vez que esta, como
dito, toma os direitos dos trabalhadores como fundamentais e não autoriza a
terceirização no serviço público, ainda mais em atividades tipicamente
administrativas, cabendo deixar claro, em razão das confusões ideológicas do
momento, que a prática inconstitucional da terceirização obteve impulso
decisivo nos anos 90, como efeito do projeto neoliberal do governo do PSDB, mas
que não foi obstado nos anos seguintes, como se vê, no documentário, o que
demonstra que os problemas de moralidade, hoje na mira midiática, não são
“privilégio” deste ou daquele governo, mas um dado endêmico do modelo de sociedade
capitalista.
As perguntas que o documentário deixa no ar são: se você soubesse o que
acontece com os trabalhadores terceirizados, o que você faria? Não daria a
menor importância?
E mais: estamos mesmo, todos nós, dispostos a fazer com que se cumpram os
preceitos da Constituição Federal de 1988? Ou os interesses econômicos
particulares, a busca de “status”, a afirmação das desigualdades, as
conveniências políticas partidárias e as lógicas corporativas continuarão
ditando nossos comportamentos?
Fato é que o tema da terceirização nos obriga a um posicionamento expresso, não
deixando margem a dissimulações, dada a sua inevitável materialidade, que gera,
no plano formal, uma afronta direta à Constituição, mesmo no que se refere às
atividades empresariais na iniciativa privada, já que o projeto constitucional
é o da valorização social do trabalho, a eliminação de todas as formas de
discriminação, a elevação da condição social dos trabalhadores e a organização
da economia seguindo os ditames da justiça social.
As imagens e relatos apresentados no documentário são irrefutáveis, servindo
como um grande instrumento de luta para a defesa dos direitos da classe
trabalhadora, além de se prestar a um questionamento crítico da sociedade como
um todo e sobre o papel do Estado.
Fonte:
Carta Maior
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